O processo de afirmação da
historiografia literária nacional processou-se entre 1805 e 1888.[1] Em
1805, ocorreu a publicação da obra
Geschichte der Poesie und beredsankeit seit dem Ende des 13, intitulado geschichte der portugiesischen Poesie und
Beredsamkeit, de Friedrich Bouterwek (1766-1828) com menção a Antonio José
da Silva e Claudio Manuel da Costa. Em 1888, Silvio Romero publicou História da literatura brasileira com
abrangência e fundamentação conceitual suficientes para consolidar a
disciplina. Entre tais datas (1805 e 1888) apareceram diversas contribuições.
Vamos apresentá-las por categorias:
1. No corpo
historiográfico sobre a literatura portuguesa há menção a autores nascidos no Brasil:
- De la littérature du midi
de l'Europe (1813), do
suiço Simonde de Sismondi (1773-1842), publicada posteriormente com o
título de Bosquejo da história da
poesia de língua portuguesa-, introdução da antologia Parnaso lusitano (1826), do
português João Batista da Silva Leitão de Almeida Garrett (1799-1854).
2. Objeto de
tratamento mais desenvolvido e autônomo da literatura brasileira, embora ainda
permaneça como adendo a história da literatura portuguesa:
- Résumé de l'histoire
littéraire du Portugal, suivi du résumé de l' histoire littéraire du
Brésil (1826), do
francês Ferdinand Denis.
3. A produção brasileira será apresentada
exclusivamente:
- "De la poesia brasileña" (1855), de Juan Valera
(1824-1905);
- A literatura brasileira
nos tempos coloniais, do século XVI ao começo do XIX: esboço
histórico seguio de uma bibliogrtafia e trechos dos poetas e prosadores
daquele período que fundaram no Brasil a cultura da língua portuguesa (1885),
de Eduardo Perié. Não há informações deste autor.
4. Ensaios de teor
mais crítico do que historiográfico:
- do alemão C. Schlichthorst, capítulo do livro Rio de Janeiro wie es ist (1829);
- e dos portugueses José da Gama e Castro (1795-1873) - publicadas
no Jornal do Comércio como carta
resposta a um leitor (Rio de Janeiro, 1842);
- e Alexandre Herculano de Carvalho e Araujo (1810-1877) -
"Futuro literário de Portugal e do Brasil", artigo incluído na Revista Universal Lisbonense (1847-1848).
5. Livro
inteiramente dedicado à história da literatura brasileira:
- Le Brésil littéraire; histoire
de la littérature brésilienne (1863), de Ferdinand Wolf (1796-1866).
Ferdinand Denis e Ferdinand Wolf exerceram
grande influência sobre nossos românticos por conta da exortação ao
nacionalismo. Recomendava, inclusive, o primeiro, a ruptura com a Europa.
No
que se refere aos trabalhos de autores nacionais:
1. Temos as antologias de poesia da épica, chamadas "parnaso" ou
"florilégios" com prólogos que assumem, por vezes, proporções de
sínteses historiográficas:
- Parnaso brasileiro (1829-1832), de Januário da Cunha
Barbosa (1780-1846), com duas introduções de pouco valor;
- Parnaso brasileiro (1843-1848), de João Manuel Pereira da
Silva, já melhor estruturada;
- Florilégio da poesia
brasileira (1850-1853),
de Francisco Adolfo de Vernhagen (1816-1878);
- o Mosaico poético
(1844), de Joaquim Norberto de Sousa Silva (1820-1891) e Emilio Adet
(1818-1867);
- Meandros poéticos (1864), de Joaquim Caetano Fernandes
Pinheiro (1825-1976);
- Curso de Literatura
Brasileira (1870),
antologia, apesar do título e
- o terceiro Parnaso
brasileiro (1885), de Alexandre José de Melo Morais Filho (1844-1919).
2. Há também ensaios que constituem declarações
de princípios sobre a idéia de literatura brasileira, envolvendo tanto
reconstituições e avaliações do passado quanto projetos para as produções do
presente e do futuro. Verdadeiros manifestos românticos, com premissas
nacionalistas, projetando o futuro, prevendo a superação da submissão colonial:
- "Ensaio sobre a história da literatura do Brasil"
(1836), posteriormente o título foi alterado para "discurso", de
Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882), publicado no primeiro
número da revista Niterói;
- "Da nacionalidade da literatura brasileira" (1843). Dois
ensaios, publicado na Minerva
Brasiliense, de Santiago Nunes Ribeiro (182?-1847).
3. Existem ainda
estudos sobre a vida de escritores, constituindo as chamadas "galerias", coleções de biografias
de "varões ilustres" e "brasileiras célebres":
- Plutarco brasileiro (1847) de João Manuel Pereira da Silva
(1847). Republicado posteriormente, bastante modificado, com o título Varões ilustres do Brasil durante os
tempos coloniais (1856 e 1868);
- Biografia de alguns poetas
e homens ilustres da província de Pernambuco (1856-1858), de Antonio Joaquim de Melo
(1794-1873);
- Brasileiras célebres (1862), de Joaquim Norberto de Souza
Silva; e
- Panteon maranhense (1873-1875), de Antonio Henriques Leal
(1828-1885).
4. As edições de textos, por seu turno, formam
categorias à parte, com aparato composto por notícias biográfica sobre os
respectivos autores, juízos críticos e notas explicativas.
- Joaquim Norberto de Souza Silva cuidou de edições de Gonzaga
(1862), Silva Alvarenga (1864), Alvarenga Peixoto (1865), Gonçalves Dias
(1870), Álvares de Azevedo (1873), Laurindo Rabelo (1876), Casimiro de
Abreu (1877);
- Francisco Adolfo de Vernhagen, Basílio da Gama (O Uraguai, 1769) e Santa Rita Durão
(Caramuru, 1781), reunidos no
livro Épícos brasileiros (1845),
Bento Teixeira, Vicente do Salvador, Ambrósio Fernandes Brandão, Gabriel
Soares de Souza
- Alfredo do Vale Cabral (1851-1896) é responsável pela edição do
primeiro volume das obras de Gregório de Matos (1882), as sátiras,
anteriormente publicado somente em antologias
5. Por fim, temos as
histórias literárias em sentido estrito,
isto é, livros interessados em estabelecer periodizações e sínteses
historiografias - então chamados "cursos" e "resumos" -,
atentos menos à individualização dos autores do que ao panorama das épocas
sucessivas:
- Curso elementar de
literatura nacional
(1862),[2] de Joaquim Caetano
Fernandes Pinheiro (1825-1876). Trata da portuguesa, também, e o Resumo da história literária (1873),
fiel à tese do curso, tem a pretensão, bem própria do historicismo
romântico - que hoje nos pareceria ingênua -, de abranger a literatura de
todas as épocas e países.
- Curso de literatura
portuguesa e brasileira
(1866-1873) de Francisco Sotero dos Reis. A literatura brasileira é
tratado em parte dos volumes quarto e quinto, o autor começa sua narrativa
e análises com poetas do século XVIII, por ele considerados
"precursores", cabendo apenas aos escritores do período
pós-independência inclusão no que chama "literatura brasileira
propriamente dita".
- História da literatura
brasileira de Joaquim
Norberto de Souza Silva. Ao contrário das obras anteriores, esta não tinha
objetivos didáticos, mas volta-se à preocupação do conceito de literatura
brasileira com a postura apaixonada do romantismo: valorização da
natureza, dos indígenas. Foi publicado em capítulos na Revista Popular, de 1859 à 1862,
não sendo finalizada.
6. Pode-se
acrescentar, ainda, ensaios não exatamente historiográficos, mas críticos que,
no entanto, antenados com a história literária é suscitada pela questão do
nacionalismo que é tomado como referencial de valor. Há de se destacar:
- "Ensaio crítico sobre a coleção de poesias do Sr. D. J. G. de
Magalhães" (1833) de Justiniano José da Rocha, na Revista da Sociedade Filomática;
- "A moreninha, por
Joaquim Manuel de Macedo" (1844), na Minerva Brasileira;
- "José Alexandre Teixeira de Melo: "Sombras e
sonhos" (1859), de Antonio Joaquim de Macedo Soares (1838-1905), na Revista Mensal do Ensaio Filosófico Paulistano.
- pode-se também incluir aqui os ensaios de José de Alencar que
recaem, inclusive, sobre a significação da sua obra como expressão
literária genuinamente nacional.
A esta altura está dado o início à superação
da perspectiva romântica, em que o clamor ufanista e declamatório dava lugar à
perspectiva analítica. Novos rumos são encetados a partir de 1860 e consolidado
na década seguinte. Na fundamentação da objetividade dos novos tempo está o
positivismo, o evolucionismo, o determinismo e o transformismo. Destaques:
- Machado de Assis procurou rever o romantismo sem aderir às
atitudes anti-românticas. Referência significativa: "Notícias da
atual literatura brasileira: instinto de nacionalidade" (1873);
- João Capistrano de Abreu (1853-1927);
- Manoel de Oliveira Lima (1865-1928);
- Tristão de Alencar Araripe Junior (1848-1911),
- Silvio Vasconcelos da Silveira Tamos Tomero (1851-1914) e
- José Veríssimo Dias de Matos (1857-1916).
Araripe, Romero e Veríssimo foram as
principais referências brasileiras no campo dos estudos literários nos finais
do século XIX e começo do XX. Romero (sociológico-positivista) e Veríssimo
(histórico-estético), respectivamente em 1888 e 1916, publicaram suas História da literatura brasileira, obras
fundamentais para a consolidação da disciplina.
Referência
SOUZA, Roberto Acízelo de. Primórdios da historiografia literária
nacional. Introdução à historiografia da
literatura brasileira. Rio de Janeiro: UERJ, 2007. Série Ponto de Partida.
p.29-41.
[1] Anteriormente constatam-se notícias sobre autores e obras, em verbetes
dispostos em ordem alfabética. Há na biblioteca
lusitana publicações sobre o barroco, de 1741 a 1759, do abade Diogo
Barbosa Machado (1862-1772).
[2] Fernandes Pinheiro
argumenta que haveria literatura brasileira distinta da portuguesa a partir da
independência e do Romantismo, mas "não eram suficientes para constituir
uma literatura independente". (PINHEIRO, 1978, p. 493 apud SOUZA, 2007,
p.36).
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